Diário dos Açores

Mais Símbolos, Mais Gente para a Autonomia

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Os Açores - e isso foi identificado pelas intervenções oficiais do Dia da Região - precisam de trabalhar muito os seus índices de pobreza e de educação, finalmente reconhecidos e sublinhados no plano público. O arquipélago como que cristalizou num “modelo” autonómico que, se é verdade que trouxe infraestruturas decisivas e subsequente progresso, não conseguiu arrancar o arquipélago das fundas dificuldades do seu desenvolvimento. Por que é que isso aconteceu? Haverá causas várias e algumas delas estão esquecidas nos debates do momento, centrados naquilo que é o óbvio imediato: as políticas, económicas, sociais. Relacionam-se com geografia, dispersão territorial, dificuldade de, pelos seus hábitos antigos, enraizados, transformar comunidades e estruturas sociais.
Em todo o caso, há um dado que merece ser considerado por estes dias: a Autonomia, se quer entrar noutra fase, se quer progredir, também merece ser repensada naquilo que a define como coração identitário. Os Açores não são (só) os signos enunciados habitualmente. São esses símbolos mas também são outros, fruto de alguns sinais importantes de reinvenção. Da circunstância, por exemplo, de o arquipélago ser um lugar privilegiado de cruzamento e de acolhimento. Um lugar onde acontecem vivos acontecimentos culturais - e aqui entende-se a palavra cultura em sentido lato, abrangendo diferentes ramos. E onde podem acontecer mais. Um sítio em que o aeroespacial pode ser fundamental (isto foi nomeado, é verdade). Onde a emigração já não se faz só para os EUA e para o Canadá mas também, por parte de jovens em procura de emprego, em direcção a vários países da Europa. Para simplificar: tal como Portugal continental já não veste só uma farda, se quisermos, fadista, a região açoriana, com a sua especificidade cultural, não é só religiosidade, mesmo que na sua melhor versão, a comunitária - o Espírito Santo. É essa religiosidade mas também é outra coisa, diversa, que inclui uma série de ventos cruzados, fruto de sua inserção num mundo diverso e plural. A cristalização do pensamento sobre o que são os Açores ajuda à lentidão do desenvolvimento açoriano.
Também acho relevante que no Dia da Região não falem só políticos. Mais uma vez: que falem políticos, nossos representantes, mas também que falem pessoas da sociedade civil: médicos, jornalistas, artistas, pessoas ligadas ao turismo e à agricultura, ambientalistas e arqueólogos, aviadores e lavradores, comerciantes e funcionários públicos, desportistas e arquitectos, trabalhadores de fábricas e empresários. E mais. Pessoas que se destacam nas suas áreas e que possam tornar-se uma referência para a população. Tal como acontece no 10 de Junho, por exemplo. Nem todos os discursos das figuras das mais diversas áreas foram e são bons. Mas alguns marcaram – lembro-me de um, em especial, que me ficou, de alguém que, chegado de fora de Lisboa, vingou em meios profissionais fechados da cidade. E os Açores precisam disso. De reconhecer os seus talentos – para lembrar um texto recente do director deste jornal -, de os valorizar, de lhes dar palco para poderem inspirar. Os Açores não precisam só de uma ideia inspiradora. Precisam de pessoas que os inspirem. Que digam “é bom trabalhar cá”, “é importante viver cá”, é recompensador, não vivendo cá, estar ligado a este território.  Ou que afirmem que não é fácil viver aqui mas que querem trabalhar no sentido da melhoria das condições. E é fundamental também nomear novos autores. Existem e merecem ser valorizados. E também - basta ler ou ouvir - têm frases inspiradoras.
Já o escrevi. É algo elementar mas que tende a ser esquecido na procura de vincular os Açores a uma única ideia, ancestral. As identidades aprofundam-se, crescem, recriam-se. Algumas até criam-se. Precisamos de novas açorianidades, reconhecendo, claro, as diferenças entre as ilhas. Porque só acolhendo novas açorianidades podemos acolher novas possibilidades. E é disso que, com urgência, precisamos.

Nuno Costa Santos *

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