Diário dos Açores

O Clamor da Imprensa escrita

Previous Article “Melhoria das acessibilidades à Povoação é sinal de progresso social e económico”, afirma Berta Cabral
Next Article A SATA e os autogolos

...e o (in)evitável aconteceu: a partir de ontem o “Diário dos Açores” passou a ser distribuído apenas na plataforma digital, o mesmo acontecendo ao “Correio dos Açores” e ao “Atlântico Expresso”.
O administrador da empresa havia prevenido há dias que a falta e o aumento do preço do papel levariam a este desfecho, se nenhuma alteração houvesse no mercado.  Mas isso não aconteceu.
Resultado: os habituais assinantes sem acesso à net e outros leitores sem essa plataforma digital ficam impedidos de ler os dois jornais diários e o semanário micaelenses, de acederem à informação e livre opinião bem como às informações de utilidade pública sempre muito procuradas.
Três dias após o Presidente do Governo ter saudado a comunicação social, por ser “isenta e independente, ética e deontologicamente exemplar, que nos presta esta insubstituível missão de cultura e de formação cívica“, e de ter acrescentado que com ela “a nossa Autonomia Política fica a ganhar, a nossa literacia coletiva eleva-se.”, o (im)previsto aconteceu.
Porque os discursos oficiais não podem ser letra morta, mas perduram na memória e na história das gentes, pode concluir-se da intervenção de Bolieiro que “ A democracia [não] fica defendida, [nem] o nosso sentido crítico apurado na verdade.”
Perante a situação presente não resta ao Governo senão agir rápida e eficientemente, para evitar males maiores.
Nos regimes livres e democráticos não é fácil o relacionamento entre jornalistas/imprensa e políticos/governantes, se bem que uns e outros tenham por missão servir o bem-comum dos cidadãos, respeitar a livre expressão e defender as liberdades individuais e coletivas.
Dessa frequente incompreensão resultam dificuldades no acesso às fontes de informação, acusações de falta de isenção, amedrontamentos, constrangimentos na distribuição da publicidade – situações que geram dificuldades económicas às empresas de comunicação social e se repercutem em baixos salários dos jornalistas e de outros profissionais do setor.
Há muito que a imprensa privada reivindica maiores apoios ao exercício da sua missão.
Penso ter-se chegado a altura de os governantes açorianos se sentarem à mesa e ouvirem as empresas da comunicação social, antes que mais títulos da imprensa deixem de publicar-se em papel ou mesmo encerrarem.
Se a Imprensa “presta esta insubstituível missão de cultura e de formação cívica”, como afirmou no Dia da Autonomia o Chefe do Executivo, o Governo tem de ser célere e consequente.
E o Parlamento também.
Nas celebrações do passado dia 6 de junho, na Lagoa, nenhuma força política referiu as dificuldades dos jornais impressos, derivadas dos elevados custos do papel. Isso demonstra o desconhecimento, a insensibilidade e o desinteresse pelo papel da imprensa escrita na construção da Democracia, da Autonomia e da participação cívica. Significa isso que os  políticos se importam mais em poder ver-se nas imagens da TV do que em saber o que pensa a opinião publicada?
O próprio Presidente do Parlamento também passou em claro nesta questão. Num protagonismo sem par, anunciou na cerimónia ir promover uma homenagem pública que perpetue todos os envolvidos no combate à pandemia num monumento a colocar na sede da Assembleia Legislativa, como “tributo (...) por imperativo de cidadania”. Como se isso fosse uma prioridade regional!... Quanto aos jornais, nada.
Espero que o jornal “Diário dos Açores” do passado dia 8 de junho, que tive o cuidado de guardar, não seja o último exemplar em papel do quotidiano mais antigo dos Açores, com 153 anos de existência.
A História Açoriana deve transmitir às gerações vindouras o apreço que os seus antepassados, colocaram na imprensa escrita, incentivadora dos ideais autonómicos.
A Autonomia constrói-se na defesa das liberdade e da democracia, valores em que assenta uma imprensa livre, aberta ao confronto de opiniões, interventiva e agente transformador da sociedade.
Só quando a opinião pública tomar consciência da importância dos jornais como praça pública do pensamento dos cidadãos, dos interesses empresariais, das instituições sociais, culturais, defensora dos sem-voz e dos desprotegidos, a sociedade e os poderes públicos e privados entenderão o bem que eles comportam.
Até lá, esperemos que nenhum título da imprensa encerre, por impossibilidade de chegar aos seus habituais leitores de cá e da diáspora no formato em papel.


*Jornalista c.p.239 A

http://escritemdia.blogspot.com

José Gabriel Ávila*

Share

Print

Theme picker