Diário dos Açores

O Relatório

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Foi publicado pelo Tribunal de Contas, em 2021, o Relatório n.º 08/2021 – FS/SRATC. O mesmo resultou de uma auditoria realizada às nove unidades de saúde de ilha que integram o Serviço Regional de Saúde da Região Autónoma dos Açores. Foi objeto de análise o período compreendido entre 1 de janeiro de 2012 e 31 de dezembro de 2019.
A auditoria teve, como objetivo central, verificar se foi cumprido, no período em causa, o limite remuneratório estabelecido na lei, que corresponde a 75% do montante equivalente ao somatório do vencimento e abono mensal para despesas de representação do Presidente da República.
Como é evidente, o vencimento do Presidente da República sofreu variações significativas no período em análise. Em 2019, o vencimento do chefe de Estado era de 7248,81 euros e o abono mensal para despesas de representação ascendia aos2962,58 euros. Isto significava um total de 10211,40 euros. Assim, o limite remuneratório- que não pode exceder 75% da soma das duas remunerações acima referenciadas - era, em 2019, de 7658,55 euros.
O que é concluiu o Tribunal de Contas? Importa, entre outras coisas destacar duas surpreendentes conclusões:
1. Que, “entre 2012 e 2019, oito das USI que integram o Serviço Regional de Saúde pagaram amédicos remunerações mensais ilíquidas que excederam, em cerca de 6,5 milhões deeuros, o limite legalmente fixado”.
2. Que “o desvio apurado poderia possibilitar a contratação de mais 11 médicos pelas USI, uma vez que as verbas pagas em excesso seriam suficientes para acomodar, em idêntico horizonte temporal, os encargos emergentes destas contratações e, aindaassim, proporcionar uma poupança na ordem de 1 milhão de euros, por comparaçãocom o montante global dos pagamentos efetuados em excesso”.
Veja-se, por exemplo, o caso da Unidade de Saúde de Ilha do Corvo. Entre 2012 e 2019, foi realizado um conjunto de pagamentos que excederam o limite legal em570152,13 euros. Ou seja, a USICorvo foi a responsável por cerca de 8,7% dos pagamentos que excederam o limite legalno âmbito do Serviço Regional de Saúde da Região Autónoma dos Açores.
Importa assinalar, neste âmbito, que, segundo o Tribunal de Contas, “os suplementos remuneratórios determinantes para o desvio apurado dizem respeito à realização de trabalho extraordinário e em regime de prevenção, bem como a situações de acumulação de cargos e funções”.
Como é que foi possível atingir estes valores, contando a USICorvo com apenas um médico? Vale a pena olhar para um caso prático. No mês de dezembro de 2016, o médico X (o relatório identifica o profissional de saúde em questão) alcançou uma remuneração total de 18692,09 euros.Excedeu, desta forma, o limite remuneratório estabelecido na leiem qualquer coisa como11035,55 euros (!).Nos anos e meses seguintes, os valores alcançados não foram muito diferentes.
Neste contexto, o que recomendou o Tribunal de Contas? Recomendou, precisamente, a contratação de mais médicos para melhorar a resposta do nosso Serviço Regional de Saúde, algo que também permitirá                                                                                  não violar o limite remuneratório estabelecido na lei e até poupar um milhão de euros no caso de serem efetivamente contratados os tais 11 médicos.
O Tribunal de Contas refere mesmo que “a concretização deste cenário teria um impacto relevante nas ilhas que revelam maior carência de pessoal médico. Atente-se no exemplo da Unidade de Saúde da Ilha de São Jorge, em que os montantes despendidos em excesso permitiriam, em alternativa, promover a contratação de mais três médicos, ou nos casos das unidades de saúde das ilhas do Corvo, Flores e Santa Maria, que, nas circunstâncias descritas, poderiam, cada qual, ter contratado mais um clínico”.
As recomendações do Tribunal de Contas são absolutamente lógicas, defendem a legalidade e também os superiores interesses da população. Mas, como se viu no âmbito de uma recente polémica na ilha do Corvo, existe um fator que o Tribunal de Contas não valorizou de forma realista: a resistência à mudança de quem beneficia e enriquece com o sistema em vigor.

Paulo Estêvão *

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