Há mais de uma dezena de anos, uma conhecida cientista micaelense ao desembarcar no aeroporto do Pico, comentou: -Digam o que disserem: O arquipélago é aqui!
A afirmação, só por si, parece não trazer qualquer novidade. Todavia, se analisada em profundidade, no contexto sócio-político de uma Região Autónoma, muitas ilações dela se podem retirar.
Em primeiro lugar, a noção de espaço Atlântico onde se integram pequenos universos singulares, cuja dimensão é menos importante do que a sua inserção no mundo global. Ou como afirma Russel King, “em geografia, o tamanho não é o que mais importa, não fazendo sentido assumir-se que os espaços de grandes dimensões são mais importantes que os espaços mais pequenos. Pelo contrário, o objecto da geografia são os espaços e os lugares de diferentes escalas, as relações entre o global e o local e as inter-relações espaciais (incluindo, naturalmente, as migrações) nas quais os pequenos espaços insulares se encontram profundamente enraizados, ocupando um lugar específico no nexo que liga o global ao local.” 1
Nesta interligação entre o global e o local, é significativa a dimensão das populações insulares no contexto mundial.
Segundo a ONU, no ano 2000, a população residente nas ilhas representava 10% da população mundial, cerca de 600 milhões de pessoas.
Não é um valor insignificante, se considerarmos que “a história das ilhas esteve desde sempre ligada à das migrações – na medida em que elas foram originalmente povoadas.” 2
Tem sido assim ao longo dos séculos, desde que os povos se lançaram em busca de novos mundos e de melhores condições de vida. Tem sido esta a história dos açorianos, desde que deixaram os espaços insulares para se integrarem em espaços continentais de maior desenvolvimento.
A marca dos açorianos levou-os primeiro aos brasís a explorar terras férteis e florestas infindáveis. Depois rumaram ao novo mundo, em baleeiras americanas e chagaram à Nova Inglaterra, embora o seu objetivo fosse alcançar fortuna com o ouro da Califórnia e, eventualmente, regressar à ilha, ostentando riqueza.
Alguns obtiveram esse ensejo. Todavia, o atraso das ilhas não constituía atrativo suficiente para quem tinha desfrutado de trabalho bem-remunerado, de uma habitação condigna e de outras condicionantes do bem-estar e de progresso que quem os tem, jamais os quer perder.
Os açorianos adaptaram-se aos novos modelos de vida e foram ficando, constituíram família e através da língua, cultura e hábitos comuns criaram comunidades coesas, preservando a sua identidade. Solidários com os parentes que deixaram atrás em situações de grande precariedade, chamaram pais e irmãos e a comunidade portuguesa criou raízes, expandiu-se pela Nova Inglaterra e Califórnia.
A este propósito é fundamental consultar a obra de Onésimo T.Almeida sobre “COMUNIDADES PORTUGUESAS NOS ESTADOS UNIDOS: IDENTIDADE, ASSIMILAÇÃO, ACULTURAÇÃO,nº8”, bem como sua vasta obra citada na bibliografia deste livro, disponível na net em PDF.
Estima-se que pelos menos existam nos EUA mais de 1,1 milhões de portugueses e descendentes, residentes sobretudo nos Estados de Massachusetts, Rhode Island e Califórnia. Não me foi possível encontrar os dados do último censo, mas no de 2000, na sua maioria oriundos dos Açores, havia na Califórnia 330.810, em Massachusetts -279.513, Rhode Island – 91.387, Florida – 48.757, Havai – 48.521, Connecticut – 44.695, para referir apenas os maiores destinos dos nossos emigrantes.
Alguns dos que partiram nos anos 50 e 60 visitam, habitualmente estas ilhas por ocasião das Festas do Espírito Santo.
A idade, porém, não perdoa e começa a ser notória a sua ausência: cada vez há mais casas fechadas, a degradar-se e as tradicionais celebrações religiosas denotam a falta de muitos que daqui partiram em busca de uma vida melhor.
Neste arquipélago central, o verão trouxe muitos visitantes, tantos que também aqui se faz sentir a falta de mão de obra para os serviços de restauração e turismo. Vêm da Europa, e sobretudo do continente – precisamente para onde estão a debandar os jovens, em busca de um outro futuro.
Os que ficam, acostumados à paz e ao sossego da terra onde quase nada acontece a não ser a inevitabilidade da doença e da morte, não negam aos veraneantes a simpatia e o acolhimento que é apanágio destas gentes insulares.
No mar e no horizonte projetaram sonhos de partida e retornos por saudades imensas e até compromissos de amor que os agarrava às pedras negras e pesadas desta ilha.
Segundo Ermelindo Ávila3 “foram os primitivos “americanos” que trouxeram os primeiros gramofones e outros instrumentos musicais. Da América vieram, igualmente os primeiros automóveis. Trouxe-os o luso-americano José de Brum Catelo. Dois “Ford”, um deles equipado com uma pequena caixa de madeira, com assentos laterais.”
Quão diferentes os tempos de hoje são dos anos 50 e 60 do século passado, quando a chegada de um “americano” era notícia que circulava de boca em boca, como se de um astro de cinema se tratasse...
Vivia-se num insulamento que incentivava a ânsia de partir, porque ser “americano” era um sonho lindo e realizável.
Em cidades com New Bedford e Fall River, onde quase metade da população total possui ascendência portuguesa, os níveis médios de escolaridade são extremamente baixos. Mais de metade da população de origem portuguesa não concluiu sequer o ensino secundário. Na cidade de San Jose, na Califórnia, os resultados são francamente mais positivos, na medida em que apenas 22% dos residentes de origem portuguesa não concluíram o ensino secundário
Marçal, Maria Carolina, “Transnacionalismo na comunidade luso-americana: redes e ligações económicas, entre Portugueses e luso-descendentes residentes nos Estados Unidos e em Portugal”, Acta da Conferência Internacional “Aproximando Mundos: Emigração, Imigração e Desenvolvimento em Espaços Insulares”, Fudação Lusi-Americana, 2010
Referências:
1King, Russel,”A geografa, as ilhas e as migraçõesnuma era de mobilidade global,Actas da Conferência Internacional “Aproximando Mundos: Emigração, Imigração e Desenvolvimento em Espaços Insulares”, Fudação Lusi-Americana, 2010
2Opus cit.
3Ávila, Ermelindo, Figuras & Factos, II vol. 2005
*Jornalista c.p.239 A
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