Diário dos Açores

A morte das livrarias?

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Estamos vivendo um mundo de transformações velozes e profundas. Assistimos, por vezes paralisados, pela estranheza ou pela torrente de informações pelas mais diversas mídias que mais desinformam do que informam, o esforço dos livreiros para não fechar as livrarias. Estamos atravessando uma mudança civilizacional? Perda de valores? Outros valores? Quais, ninguém sabe, com certeza. Diversos cenários são possíveis de serem pensados e discutidos.
Afirmam várias vertentes religiosas: um momento de “regeneração” do humano. “Regeneração” de quem? Dos humanos, ouvimos como resposta. Quem serão os “regenerados”: os que vivem ou os que morrem? Mas, e as livrarias? Morrerão? Substituídas por outros suportes de leitura que torna o livro obsoleto. Uma cidade, um lugarejo, sem livrarias? Será a morte delas?
Como não conhecemos o mundo na sua totalidade, nas suas minúcias, nos seus mistérios, há diversos modos de livrarias existirem. Antes da página havia o palco, como escreve Roger Chartier. Cervantes, Shakespeare e outros apresentaram suas obras literárias como peças, em palcos. O “povo” via e ouvia, aplausos ou vaias. Passaram às páginas. Suas obras estão por aí, em diversos idiomas, para serem lidas e apresentadas em peças teatrais ou filmes. Costuma-se dizer “gostei” ou “não gostei”, substituindo os “aplausos” ou “vaias”,ao final da apresentação. A escrita, ao ser introduzida na vida dos humanos, passou a ser objeto de curiosidade, estudos, pesquisas, prazer, distração. Graças a Gutemberg, o livro expandiu-se, porém, do século XX e XXI, outros suportes estão maciçamente substituindo os livrosfísicos: e-book, internet.
Livros “físicos”, e-book ou internet? Prefiro os “físicos”. Estes têm cor, cheiro, até gosto, caso ampliarmos a palavra “gosto”. Caso tenhamos algum livro “físico” de sebos (no Brasil são livros que foram vendidos por quem os possuía) podemos encontrar assinaturas, observações e o nosso “imaginário” pode ir além do escrito e conhecermos um pouco de quem o teve nas mãos antes de nós.
Costuma-se apontar como a mais antiga livraria do mundo a Bertrand, 1732 no Chiado -Portugal. Podemos “inventar”, pois aparece como refúgio de escritores, revolucionários e conspiradores. Esta livraria foi destruída no terremoto de 1975 em Lisboa. Em 1773 ressurge das cinzas e hoje há uma rede de livrarias Bertrand. No Brasil há muitas compreensões de quando surgiram as livrarias, mas sabemos, se caminharmos no século XIX e XX, que eram, também, lugar de encontro de escritores, cronistas, jornalistas e muito discutia-se.
Antes das livrarias, onde estavam os livros? Onde estão até hoje: conventos, bibliotecas públicas, bibliotecas particulares, castelos, universidades, entre outros lugares. Há algum tempo estão nas ruas das cidades e lugarejos, seja em bancas grandes ou pequenas. Encontramos todo tipo de livros.
E os livreiros? Encontramos vários tipos de livreiros. Os que sabem sobre cada livro, os que só vende, os que estão, geralmente, nas ruas, em bancas precárias, desejam ganhar algum dinheiro. Caso alguém, além de comprar, resolve falar um pouco sobre o livro pode ter atenção ou não. As livrarias ambulantes? Transformam um carro ou um carrinho de madeira, pintam e pronto: surge uma livraria. Gostamos desses, ali tem um “amante de livros”. Temos uma cidade no Rio de Janeiro, chamada Paraty, que há anos tem uma Kombi transformada em livraria. Impossível não parar, nem que seja para apreciar o resultado da transformação da Kombi em livraria, com um pequeno toldo.
Em algumas cidades portuguesas é comum vermos livrarias em carrinhos de madeira, onde, geralmente, as pinturas são florais.
As livrarias morrerão? Desaparecerão os livros “físicos”?
Acreditamos que não. Continuarão para muitos ou para poucos? Nesse momento apostamos no muitos. Uma cidade, um lugar, em qualquer lugar neste vasto mundo sobreviverá, como sobreviveu a Bertrand ao terremoto. As livrarias fazem parte “da alma iluminada das ruas” (João do Rio).

* Universidade de São Paulo/Professora Adjunta - Universidade
do Rio de Janeiro

Adir da Luz Almeida*
Profª Doutora

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