É estranho como as convulsões de toda a ordem em que a Europa se debatia se ocultassem sob o lado frívolo e exuberante da Belle Époque. Uma inconsequente alegria de viver tornava Paris na Cidade Luz como centro produtor e exportador da cultura mundial. Uma plêiade de cientistas e artistas concorre em descobertas e mudanças que aconteciam por um concurso de circunstâncias favoráveis para um avanço convergente, em tão breves anos.
Sob o signo de Goethe, Weimar fora um cadinho para o surgimento de novas ciências, artes, explorações de novos mundos, interrogações sobre as nossas origens, teorias da luz, da arte, laboratórios experimentais, Wundt e Fechner, desenvolvimento industrial e económico e a expansão de novas ideias e teorias.
Os derradeiros otimistas comtianos viviam a euforia de uma Europa que ocultava, sob a capa de uma paz incerta e avanços científicos as raízes de uma faceta bélica que se estendia com a cobiça europeia de um domínio mundial.
Com um grande crescimento demográfico, mais de 44% do comércio, rondando os 90% das indústrias no mundo inteiro, o avanço cultural, científico e a grande prosperidade escondiam, por outro lado, os movimentos das greves, a desconfiança entre os povos rivais, a miséria rural, a situação dos mineiros, os conflitos da classe operária, ao mesmo tempo que o armamento bélico crescia, num outro sintema, mais ou menos oculto, do progresso científico.
Ir a Paris ao menos uma vez por ano era quase uma obrigação entre as elites, pois garantia o vínculo com a atualidade do mundo. As descobertas científicas abriam portas a um mundo novo e o mesmo acontece em todas as artes, bem como na indústria, o desenvolvimento económico, a expansão de ideias. Com a aparição das grandes avenidas, dos cafés-concertos, bailados, óperas, livrarias, teatros, alta costura parisiense a culturado divertimento amplifica-se. Aparece uma nova oportunidade para explorar a burguesia, ávida de novidades e excitação, com o surgimento da indústria de divertimentos, do lazer e exportação da arte, da literatura.Ruskin e o Pré-Rafaelismo foram movimentos da história da arte: que se ligariam ao pré-moderno numa “irmandade” que se insere na Natureza.
Agora todos teriam acesso a este mundo de “ordem e progresso” cumprindo-se o positivismo de Comte reagindo contra motivos tradicionais ou clássicos. A eletricidade e a velocidade das comunicações atraem para a liberdade do cinema, um prazer barato e acessível aos citadinos. Há uma atração pelas épocas “áureas “com temas da música evocadoras das sagas dos povos das neblinas. Surge então o entusiasmo pelos nacionalismos, o épico como “Parsifal, “O Anel des Nibelungen do compositor alemão Wagner num movimento crescente que envolverá novas ideologias.
Adaptam-se os personagens mitológicos de diversos países ou a revitalização da Idade Média, a divulgação e êxito do romance históricode Walter Scott, (1771-1832), escritores como Balzac, Óscar Wilde, Maupassant, reveladores dos contrastes, misérias e grandezas urbanas sofridas pela pequena burguesia, esmagada pelo brilho e sucesso de antigos familiares ou amigos. Indiferentes e arrastados para novos divertimento, corre-se em buscada “inovação” que morre ao aparecer.
A “Arte Nova” cultiva a exterioridade, a busca mundos oníricos, enchendo de cor, luz e brilho a ornamentação das fachadas, portões, avenidas, teatros, exposições, vitrais. A quotidianidade dos burgueses envolve-se na busca pelo prazer, numa indiferença pela subjetividade, com a visão encantatória da vida pública da burguesia voltada para o exterior e o afastamento do privado. Das principais obras desse estilo restam ainda fachadas de edifícios, portões, vitrais num novo modo de olhar a arte e o estilo de vida. O pintor Alfonse Mucha transmitia um mundo deslumbrante, idílico, com mil cores, luminosidade e ornamentos,transformando a vida urbana numa crescente agitação.
Opulência e miséria da Belle Époque
Toda a nostalgia do mundo vienense desaparecido, revela-se nas trágicas páginas autobiográficas de Stefan Zweig, em “O Mundo de Ontem; Memórias de um europeu”.
Reflete-se na incompreensão e perplexidade do inadaptado Simmel, (1858-1918) micro-sociólogo, de origem judia, na análise da objetividade cultural: ”O caráter mundano sente o cansaço frente à Vida, numa sociedade agora dominada pelo dinheiro; no sentido de que os objetos são todos trocados por outros, desaparecendo de cena para dar lugar a inovações. Na essência de tudo estaria agora a circularidade do dinheiro num absurdo axiológico que antes se desconhecia.
“A pontualidade, a contabilidade, a exatidão, que coagia a vida na grande cidade torna a impessoalidade individual à volta do dinheiro com grave prejuízo do sistema nervoso, excluindo as formas subjetivas uma vez que, trata-se de atuar em relação ao exterior de forma universal, definida esquematicamente.”. Surge a indiferença das trocas pela essencialidade do dinheiro para a circularidade das relações despidas de personalidade . Em “A Filosofia do Dinheiro” (in 1901)” a cultura cria a ausência da personalidade na vida pública. Há agora gente por toda a parte, porém só com os seus semelhantes e a sua opinião conta, não contar a de outros. Atua como só ele e seus iguais existissem. Usa a sua opinião, uma repetição do senso comum, introduz-se em tudo impondo a sua opinião vulgar, sem consideração, ou reservas, o mundo é seu. Observava a mudança do citadino como um sério risco para a sua saúde. No urbanismo estereotipado o conceito “blasé, reflete indiferente e distante do ambiente social:
Praças, ruas, exposições, estabelecimentos públicos ocupados pela nova burguesia, leva gente a todos os lugares enquanto a beleza e elegância se esfumam na vulgaridade da multidão. O novo ritmo de vida desenvolve um enorme valor económico gerado pelo lazer e apetite pelas diversões com acesso crescente de novo público. Por traz da máscara da Belle Époque adensa-se o pessimismo e reina a suspeita e espionagem entre os países.
Jacinto, o inadaptado português, transformado em perfeito parisiense, que Eça de Queiroz ( in “A cidade e as serras”, 1901) nos deixou, é o óculo, profundamente irónico e crítico, resultante da indiferença, “blasé” fatigado e sufocado pelo luxo, conforto, tecnologias e equipamentos modernos. Não morre, mas amortalha-se dos excessos, num tédio profundo da “Vida, o desastroso fardo de Viver.
Entretanto, nos confins da Europa, surgia o último dos Romanov, o jovem Nicolau II. O grande “Urso Branco” despertava de um sono milenar e as tragédias que se seguiriam foram inevitáveis.
Lúcia Simas *