Diário dos Açores

A nova (velha) direita açoriana

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A mudança política que ocorreu nos Açores em outubro de 2020, após 24 anos de governo socialista, foi alcançada graças ao esforço de diversas forças políticas e ao desejo de mudança que o Povo Açoriano manifestou nas urnas.
O PSD, o CDS-PP e o PPM lograram concretizar uma plataforma de entendimento – a nível parlamentar e governativo - que soma mais mandatos parlamentares e mais votos que o PS. Trata-se de um entendimento natural entre os três partidos, que partilham uma base ideológica muito semelhante. Veja-se que a primeira coligação entre estas três forças políticas remonta a 1979, criada justamente por Sá Carneiro, fundador do PPD.
Mas a mudança política de outubro de 2020 não teria ocorrido sem o decisivo contributo do CHEGA e da Iniciativa Liberal, dois novos partidos políticos em ascensão a nível nacional. Do ponto de vista programático, o CHEGA e a Iniciativa Liberal representam a segmentação de espaços políticos anteriormente integrados no PSD, no CDS-PP e também no PPM.
O CDS-PP, por exemplo, sempre integrou as correntes democrata-cristã, liberal e conservadora (o mesmo se diga, embora a outra escala e complexidade, do PSD). Em muitos aspetos, estas vertentes programáticas e ideológicas não são totalmente coincidentes.
A Iniciativa Liberal e o CHEGA representam, assim, a autonomização – e a enfatização mediática - de espaços políticos anteriormente agregados nos partidos tradicionais da direita portuguesa. Isto para além de uma forma de comunicar mais agressiva e inovadora. A implantação regional destes partidos tem algumas particularidades, que importa analisar. Veja-se, a este respeito, o percurso político das personalidades que representam estes partidos no Parlamento.
Nuno Barata foi deputado do CDS-PP na legislatura de 1996-2000 e manteve-se nesse partido até uma data muito próxima das eleições legislativas regionais de 2020. Trata-se de um longo percurso político no seio da democracia-cristã. Conheço bem o seu percurso político e a sua personalidade.
É inteligente, intuitivo e aparentemente muito impulsivo. Mas enganam-se os que se deixam levar por uma imagem pública de uma impulsividade descontrolada. Em grande parte dos casos, as tremendas cóleras públicas e os grandes arrebatos que as pessoas veem na televisão são estrategicamente pensadas e encenadas. Algumas vezes programadas e, outras vezes, surgem quando, como político intuitivo que é, “cheira a oportunidade”.
Tem óbvias qualidades políticas, mas também várias fragilidades, que me escuso de comentar. Existem, no entanto, dois aspetos cuja evolução acompanho com muito interesse. A primeira é a sua solidez enquanto líder partidário. Essa foi sempre uma das suas fraquezas, que obliteraram o seu percurso partidário no CDS-PP.
A outra reside na sua propensão para a improvisação estratégica. Tem intuição política e um gosto natural para correr riscos, algo que lhe permite grandes acertos – como os que somou através da sua entrada na Iniciativa Liberal e na decisão de apostar na mudança política -, mas que também lhe pode custar grandes dissabores, algo que já lhe sucedeu reiteradamente no passado. Os tempos políticos têm o seu timing e não vale a pena exasperar com a espera.
José Pacheco foi também funcionário do Grupo Parlamentar do CDS-PP e dirigente do partido no mesmo período em que eu próprio e o Nuno Barata o fomos. Ao contrário da imagem pública que se lhe colou, José Pacheco sempre foi um dirigente ponderado, que cultivava uma grande proximidade com os militantes do partido.
Finalmente, Carlos Furtado, antigo candidato do PSD à Câmara Municipal da Lagoa, é uma pessoa que, no que me diz respeito, é confiável e sensata. Ou seja, o novo espaço da direita foi protagonizado por velhos conhecidos. Gente com muitos anos de militância e participação no nosso sistema político. Noutras circunstâncias e geografias, o surgimento de novas forças políticas criaram o caos no sistema político e colocaram em causa o sistema democrático. No caso açoriano, tem sido possível assegurar mudanças – algumas de carácter sistémico -, mantendo todas as condições de governabilidade, que se exigem tendo em conta o quadro económico internacional tão incerto e desafiante que se enfrenta na atualidade.   

Paulo Estêvão *

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