Diário dos Açores

Pós-pandemia: para onde vamos?

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Caminhando a passos largos para o termo da pandemia que pôs a nu mazelas, desajustamentos e impreparação dos sistemas económico e social a respostas como a que vivemos nos últimos dois anos,  começam a ser conhecidas análises e estudos tendentes a prevenir e melhorar as respostas a tão dolorosa crise sanitária.
Instituições dedicadas ao estudo e conhecimento da sociedade, nomeadamente a Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS) publicou recentemente uma análise muito interessante sobre a situação vivida entre 2020-2022, quer na vertente económica e sanitária nacional quer no contexto  da União Europeia e da Presidência Portuguesa. Algumas dessas considerações servem de base a esta crónica.
Procurei investigar junto do Serviço Regional de Estatística (SREA), se havia dados estatísticos sobre os serviços de Saúde e sobre a mortalidade em geral que permitissem avaliar que impacte teve a Covid 19 na esperança média de vida, no tratamento das diversas patologias e qual a resposta dos serviços hospitalares e dos cuidados de saúde primários. Mas em vão.
Os últimos dados reportam-se a 2020. Se há mais informação - ela existe, certamente – está no segredo dos deuses e nos seus gabinetes, até que os responsáveis políticos entendam que a transparência é um valor democrático. Infelizmente, há quem pense que a autoridade se confunde com “segredo de estado” e que quem governa pode fazer tudo o que bem entende...
Dados recentemente divulgados pela imprensa continental levam-me a concluir que o número de mortes nos Açores, desde o início da “covid 19” deverá rondar os 120. Este número terá consequências na nossa esperança média de vida e na resposta ao desenvolvimento de patologias.
Segundo o estudo da FFMS,
“Portugal enfrentou pelo menos cinco importantes vagas da doença, que resultaram em 25 mil mortes a mais do que seria expectável de acordo com a tendência histórica, perto de 21 mil mortes atribuídas diretamente à doença, uma queda acentuada da esperança média de vida e dois processos de confinamento incluíram o fecho de escolas e a paralisação total ou parcial de vários setores da economia, consequência de uma postura cautelosa no que respeita à saúde pública.”

Esta realidade, “mutatis mutandis” viveu-se também entre nós. Afetou muita gente e alterou hábitos sociais que parece terem vindo para ficar, nomeadamente os relacionados com o trato social e as regras de etiqueta.
Que efeitos terão os novos comportamentos no relacionamento familiar e social e no próprio sistema ético e jurídico? É prematuro saber.
Isto não significa que nos quedemos à espera que as mudanças se instalem no tecido social, e que sejamos surpreendidos pelos seus efeitos. Isso geraria instabilidade pessoal, emocional e desajustamentos que podem trazer consequências psíquicas graves e abalar a nossa vivência coletiva.
No mundo laboral, por exemplo, diz o estudo:1
“A pandemia recompôs igualmente o mercado de trabalho, pela segunda vez em cerca de dez anos. Alterou a sua composição setorial; digitalizou o emprego; promoveu o     teletrabalho; diminuiu a procura por serviços pessoais, interrompendo a     tendência de     crescimento nos anos anteriores; criou mais postos de trabalho qualificados; e  aumentou o emprego público.” [Todavia ]“teve um efeito regressivo no mercado de trabalho,     penalizando sobretudo os trabalhadores com salários mais baixos e as classes de menor rendimento.”
A crise pandémica “despoletou alguns dos mecanismos de aumento da inflação que foram reforçados pela eclosão da guerra na Ucrânia”- acrescenta ainda o estudo.
São todos estas condicionantes que contribuem para o desmesurado e descarado agravamento do custo de vida, que se está a repercutir, penosamente, nos orçamentos familiares, sobretudo dos mais pobres.
Os que já eram afetados pelo desemprego resultante da crise económico-financeira de há uma década e os jovens sem competências profissionais ao sabor de salários baixos e de contratos precários não têm capacidade para construir uma vida estabilizada.
A nova sociedade do conhecimento, do tele-trabalho, promotora do empreendedorismo e da inovação, deste modo, só beneficia a classe social média-alta, enquanto
as classes sociais baixa e média-baixa – a grande maioria – dificilmente suportam a enorme diferenciação salarial e arrastam-se nos becos da pobreza.
Se tivermos abertura à realidade veremos que o problema toca-nos de perto e é nosso vizinho.
Há idosos e famílias carenciadas que, a muito custo, sobrevivem com pensões escandalosamente baixas que mal dão para matar a fome, muito menos para fazer face às suas naturais maleitas.
Mesmo com apoios oficiais aos medicamentos e cuidados de saúde, era mais digno que fossem os cidadãos a gerirem as suas necessidade básicas e não o Estado/Região a mantê-los dependentes de um “cheque pequenino” ou de um “apoio ao medicamento” . Justiça social é dar a cada um o que o dignifica como pessoa e não uma esmola.
Tempos novos exigem respostas novas que dignifiquem o cidadão e as instituições criadas para o servir, nomeadamente os serviços de saúde.
No continente a imprensa faz eco da opinião de profissionais de saúde, técnicos e académicos, pronunciando-se sobre a resposta do sistema hospitalar a situação de emergência como a que vivemos, sobre os cuidados prestados a doentes com outras patologias e à exaustão que atingiu a classe médica e profissionais de saúde e que agora se reflete nos serviços hospitalares.  
Já é tempo de as instituições públicas açorianas efetuarem reflexão idêntica, aberta a profissionais e utentes, visando tomar medidas consentâneas com as respostas aos novos tempos que serão, certamente de mudança.     
É um projeto necessário e urgente.

        
1 https://www.ffms.pt/FileDownload/5797034f-8679-4017-ade0-d111dcaff9e0/resumo-do-estudo-um-novo-normal-impactos-e-licoes-de-dois-anos-de-pandemia-em-portugal

*Jornalista c.p.239 A
http://escritemdia.blogspot.com

José Gabriel Ávila*

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