Diário dos Açores

Professor Monteiro Paes: Um Mestre da Educação Desportiva

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Desportistas do meu tempo

Quando entrámos para o Liceu Nacional de Angra do Heroísmo, no velho Convento de S. Francisco, na década de cinquenta, aquilo que mais nos impressionava era a beleza dos seus claustros por onde passávamos, inúmeras vezes,  a caminho das salas de aula.Era o local predilecto de convívio e de abrigo da chuva da rapaziada, mas também servia para fazermos, de vez em quando, umas brincadeiras desportivas para nosso divertimento.
Tudo era novidade para uma criança, que tinha acabado de sair da escola primária e que, a partir daquele momento, era confrontado com uma diversidade de disciplinas e com diferentes professores. Para quem durante o ensino primário tinha tido sempre a mesma professora, agora eram tantos que, nem pelos nomes os conseguíamos identificar. Mas que era divertido, lá isso era.
Havia uma sala de aula para cada turma, bem equipada e espaçosa, o que permitia uma circulação fácil, mas miúdas nem vê-las, estavam do outro lado do edifício. As turmas mistas só existiam quando se entrava para o 3º Ciclo, que já era orientado para as diferentes àreas de especialização.Era uma avalanche  de novas aventuras, uma aprendizagem diária na transição de criança a caminho da adolescência.
Do conjunto das novas disciplinas houve sempre uma, a de educação física,  que naquela época já era direcionada para a  educação desportiva e que ía ao encontro da actividade que mais gostávamos de fazer, jogar com uma bola. No desenvolvimento da actividade curricularhavia sempre uma novidade, um novo exercício, um novo obstáculo para transpôr ou um novo jogo colectivo, com uma bola que nunca tínhamos visto. Era uma nova experiência, uma aventura para contar em casa e mais uma oportunidade de afirmação pessoal de cada um de nós.
Mas o mais interessante, de tudo isto, era o nosso professor (Monteiro Paes) cuja estatura impunha respeito, era um calmeirão que para falar com ele tinhamos que olhar para cima.  Uma pessoa impecável na relação com os alunos, que nos motivava e se interessava pela nossa evolução desportiva e académica. As aulas eram intensas e agradáveis, pelo que só não as fazíamos se estivessemos mesmo doentes ou magoados devido a uma queda imprudente ou lesão acidental na própria actividade.  A educação física era a disciplina do nosso maior agrado, atendendo a que naquelas idades o jogo e a competição desportiva exerciam uma enorme atracção sobre a rapaziada.
Na programação anual das actividades curriculares o ensino desportivo era prioritário, através da aprendizagem das regras e da técnica individual específica de cada desporto, no sentido de se jogar cada vez melhor, sem entrar na especialização precoce. Ao longo do percurso estudantil o aperfeiçoamento desportivo era realizado de forma a que a maioria dos alunos se sentissem confortáveis na participação nos quadro competitivos internos. Esta orientação técnico-pedagógica deu lugar ao aparecimento de muitos jovens  praticantes, com excelentes qualidades motoras, que lhes permitia a participação  com regularidade nas competições de andebol, basquetebol e voleibol.
Contudo, não existiam espaços suficientes e as instalações desportivas eram primitivas. Um campo exterior em terra, com duas tabelas de basquetebol e umas balizas de andebol pintadas na parede, era o único local disponível para o ensino desportivo. Quando o tempo não permitia a sua utilização, íamos para um salão interior, um mini ginásio, com poucas condições de trabalho.
Mas a carência de instalações não impedia o prof. Monteiro Paes de promover e ensinar outras modalidades desportivas e, de organizar torneios internos para os mais novos, como complemento da actividade curricular. Nenhuma contrariedade o desanimava, até parecia que lhe dava uma maior motivação para ultrapassar as dificuldades. Foi um pioneiro no desporto terceirense na introdução de diversos desportos que eram desconhecidos por estas paragens e que começaram a ser divulgados públicamente nos recintos do Law Tenis Clube e no ringue de patinagem.
Nas suas tarefas educativas, também se preocupava com a higiene dos alunos, pelo que não descansou enquanto não arranjou água quente nos chuveiros. Como havia malta que nem com água quente se lavava, teve que se tornar obrigatório o duche após a aula, o que passou  a ser um hábito saudável, um bom contributo para a saúde escolar.
Como consequência do trabalho efectuado pelo professor em matéria de ensino desportivo a malta mais crescida sentiu necessidade de ocupar os seus tempos livres com actividades desportivas. Contudo, não existindo campos no liceu, resolvemos adoptar uma área territorial exclusivamente para nossa utilização. Era um  amplo espaço, com piso empedrado e umas árvores pelo meio, localizado ao lado da igreja, que só permitia umas futeboladas e que, por essa razão, foi batizado como “Estádio da Pedra”.  Rápidamente se tornou num local sagrado do desenvolvimento desportivo escolar daquela época. Ainda me recordo de, quando a bola saltava para a Ladeira de S.Francisco era necessário ir buscá-la à Praça Velha, então, aproveitávamos a ocasião para um curto intervalo para irmos beber água.
Quem teve a oportunidade de ser aluno do professor nunca mais esquecerá as suas palavras durante as aulas: homem está quieto, não mexe. Foi um pedagogo brilhante do desporto, um grande profissional de educação física, bastante actualizado naquele tempo que, pela sua maneira simples e objectiva de actuar, influenciou muitas gerações de jovens terceirenses para aprática desportiva. Eu fui um deles e se atingi alguns patamares como praticante e técnico desportivo o seu contributo foi decisivo.
A herança deixada por este Homem à Juventude Terceirense deu origem a uma cultura desportiva muito forte que contribuíu, de modo decisivo, para o desenvolvimento desportivo dos Açores.

Eduardo Monteiro *

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