Diário dos Açores

A Libido das Soberanias

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Transparência

Temos assistido na última semana e meia, a rituais monárquicos causados pela morte de Isabel II de Inglaterra, soberana da Escócia, Irlanda do Norte e Gales, a que o parlamento inglês decidiu, há muitos anos, denominar como Reino Unido. Reparemos que os monarcas mantiveram sempre o centro do poder em Londres. Nunca esse poder foi depositado, temporariamente ou não, nas capitais dos outros três países, Edimburgo, Belfast ou Cardiff, pese embora o fato de terem ‘casas de férias’ castelos espalhados pelos três territórios. E foi num desses castelos [Balmoral] que a já muito idosa Isabel decidiu finar os dias da sua existência terrena.
Ouvindo as centenas de comentadores dos vários canais televisivos anglófonos (BBC, Sky news, Aljazeera e outros), percebemos que a morte de Isabel II em território escocês não foi inocente, senão mesmo inevitável. Perante a derradeira esperança dada pelos médicos sobre as já muito frágeis condições de saúde da soberana, esta terá decidido não regressar à capital londrina e ficar em terreno escocês. Uma estratégia política que Isabel nunca descurou.
A Escócia reivindica plena soberania há muitas décadas. Internamente e nos últimos tempos as eleições escocesas começaram a demonstrar essa vontade do povo, elegendo cada vez mais deputados independentistas. Neste momento o seu governo é pró-independência do Reino Unido, tendo essas ambições sido agravadas com a saída do Reino Unido da União Europeia, levando a Escócia de arrasto contra a vontade da maioria escocesa. Em 2016, uma esmagadora maioria escocesa de 62% votou contra a saída da Escócia da União Europeia. E o mesmo se passou com a Irlanda do Norte, ocupada pela Inglaterra que dividiu a Ilha irlandesa em duas irlandas. Para os mais distraídos na confusão das duas Irlandas, aqui deixo o resumo histórico do complexo problema Irlandês:
 «A Lei do Governo da Irlanda de 1920 (Government of Ireland Act 1920), aprovada pelo parlamento do Reino Unido fez da Irlanda do Norte uma entidade política autônoma em 1921. Confrontado com exigências divergentes de nacionalistas irlandeses e unionistas monárquicos para o futuro da ilha da Irlanda (os primeiros queriam um parlamento autónomo que governasse toda a ilha, os segundos não queriam nenhuma autonomia), e temendo uma guerra civil entre os dois grupos, o governo britânico liderado por David Lloyd George aprovou a lei, criando duas Irlandas com autonomia interna: a Irlanda do Norte, que continuaria sob o domínio do Reino Unido, e a República da Irlanda, independente.»  
Esta solução criativa da Inglaterra, ajudou a ‘separar para reinar’. Os conflitos entre católicos e protestantes, unionistas – a favor da união com Inglaterra – e nacionalistas (pela separação) produziram centenas de mortes durante grande parte do século XX. Tudo isto é muito recente e as feridas não sararam completamente. Foi notória a grande preocupação pela segurança durante todas as cerimónias e desfiles fúnebres, com uma excecional força policial nas ruas e atiradores nos telhados dos edifícios.
Mas os comentadores televisivos falavam destes independentistas, separatistas ou soberanistas, com o à vontade de uma plena liberdade na narrativa de fatos históricos, bem como tentando apreciar as dificuldades que o novo rei Carlos III teria pela frente e que fazia perigar a continuidade do próprio Reino Unido. E tudo se falava durante o velório de Isabel II.
Na Espanha, a TVE - Radiotelevisión Española - empresa pública estatal, dá periodicamente entrevistas e debates sobre as revindicações soberanistas da Catalunha, da Galiza e do País Basco, de forma livre e descomplexada, embora saibamos do franquismo ainda reinante no atual regime espanhol…!
Por cá, a RTP – empresa paga pelos impostos públicos – abafa completamente estes assuntos, possivelmente comandada e programada pelo poder político, em manobras opacas de manipulação, revestidas de fortes complexos e medos dos que dirigem tais meios de comunicação social. Tudo é feito como se os Açores nunca tivessem tido, ao longo da sua história de cinco séculos, vários contextos autonomistas e revindicações justas de autogoverno.


“Todo separatismo é produto dos separadores que afogam os povos.” (Ramon Varela, Galiza)
 

José Soares *

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