Diário dos Açores

O direito à participação cívica

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1.- O presidente da Câmara Municipal da Ribeira Grande anunciou esta semana, face à crise inflacionista, ir “ajudar as famílias, com medidas concretas que visam apoiar, em primeiro lugar, aqueles que mais precisam”. A criação de um Fundo de Emergência Social, para atuar de imediato, apoiando despesas básicas como água, eletricidade, gás ou alimentação e a redução da taxa do IRS no próximo ano, cobrado pela autarquia, é um dos propósitos da governação de Gaudêncio. Esperava que, face à situação por que passam centenas e centenas de famílias carenciadas – 25% da população segundo estimativas recentes – outras instituições regionais e locais decidissem ações concertadas e urgentes, seja no âmbito governamental, seja no seio das associações municipais de ilha e do arquipélago.
    O Governo já descartou essas medidas, ao priorizar na Cimeira da Madeira questões políticas, económicas e ambientais sem solução imediata, pois não contemplam nem o aumento do custo de vida, nem a subida dos juros, nem as prestações sociais, nem os aumentos salariais.
    Se outros municípios açorianos tomaram já opções neste sentido, desconheço, mas congratulo-me com isso. O que se sabe através da comunicação social é que os produtos de primeira necessidade subiram descaradamente e que os lucros empresariais de grandes e médias empresas aumentaram.
    Perante esta situação sócio-económica que atinge uma parte substancial da população, os poderes públicos devem agir, revertendo o excesso de impostos arrecadados, diminuindo gastos supérfluos e por vezes sumptuários, suspendendo ou extinguindo tarifas e taxas camarárias, em prol da  justiça, da equidade, do bem-comum e do respeito pela dignidade humana e dos direitos fundamentais.
    2. Nem sempre os eleitos aceitam estas sugestões. Muitos até desconsideram e catalogam outras maneiras de pensar, contradizendo o próprio sistema democrático no qual fizeram público ato de fé.
    Para esses que carecem de uma mentalidade aberta, convém recordar que “Todos os cidadãos têm o direito de tomar parte na vida política e na direção dos assuntos públicos do país, diretamente ou por intermédio de representantes livremente eleitos.” (Constituição, artº 48º,1). A forma mais usual de expressar diretamente a sua vontade é através do abaixo-assinado dirigido à entidade visada.
    Foi o que fez a quase totalidade dos moradores da Rua Maria Luísa Teixeira, São Pedro, no documento enviado ao Presidente do Município de Ponta Delgada, em 22 de novembro passado, sem que obtivessem resposta, contrariando o nº2 do citado artigo da Constituição que diz o seguinte: “Todos os cidadãos têm o direito de ser esclarecidos objetivamente sobre atos do Estado e demais entidades públicas e de ser informados pelo Governo e outras autoridades acerca da gestão dos assuntos públicos.” (C.P. Artº 48.).
O documento dizia o seguinte: “Entendeu o Município a que Vexa preside, através dos Serviços Municipalizados de Água e Saneamento, proceder a obras na referida Rua, que envolveram a melhoria do piso e passeios e a instalação de coletores para escoamento de águas e dejetos das habitações. Deste empreendimento, não foram os moradores antecipadamente auscultados, nem informados. Caso isso tivesse ocorrido, quem efetuou melhorias nas habitações, ter-se-ia preparado, eventualmente, para transferir as canalizações das fossas céticas para o coletor público.
A informação dos SMAS só ocorreu aquando das obras. Há poucas semanas fomos informados por carta que, caso as habitações não fossem ligadas ao coletor geral, passaríamos a pagar, como já aconteceu, uma taxa mensal no montante de 9,25€ ou 4,626€ para quem tenha apoio social.  Quem se ligar ao coletor geral, a taxa mensal é somente de 2,313€ e com direito a limpeza de equipamento.
Perante esta diferenciação, vê-se, claramente, que se trata de uma taxa injusta, discriminatória e, portanto, ilegal, pois penaliza quatro vezes mais quem não usa o serviço público. Não se trata, portanto de uma taxa, mas de uma multa cobrada mensalmente pelos SMAS.”
Os 17 moradores disponibilizavam-se também para esclarecer o Presidente da Câmara sobre a incapacidade financeira de algumas famílias em reverter as condutas de esgotos das tradicionais fossas céticas para os  equipamentos públicos, para o elevado custo de tais obras e para a instabilidade e insegurança de algumas famílias, com doentes acamados.  
    O problema não é novo, nem se deve acometer apenas ao atual Presidente da Câmara.
    A responsabilidade por esta injustiça, pelos vistos fundada num parecer jurídico, deve-se aos atuais e anteriores eleitos municipais (Câmara e Assembleia) que, face aos conhecidos protestos de muitos outros munícipes junto dos SMAS, nada fizeram.
    Mais grave ainda é saber que o investimento efetuado (para quê e a quem aproveitou? )na rede viária e saneamento teve apoios da União Europeia da ordem dos 75%, pelo que se conclui que esta inadmissível taxa de 9,25 euros, é uma forma incompreensível de auto-financiamento.
    Taxa, no mínimo, injusta, insensata e incorreta, que não pode continuar, sob pena de serem os próprios organismos públicos a gerarem injustiças, pobreza, discriminação social e desigualdades.
    Deve, pois ouvir-se o clamor dos cidadãos prejudicados.
    Mais agora que a situação social e financeira é custosa para tanta gente com reformas baixíssimas e baixos salários que mal dão para a sobrevivência.
    Este é o momento para, de uma vez por todas, acabar com a injustiça de pagar 3 vezes mais por um serviço de que não se usa.
Ao Provedor de Justiça a quem “os cidadãos podem apresentar queixas por ações ou omissões dos poderes públicos” visando dirigir “aos órgãos competentes as recomendações necessárias para prevenir e reparar injustiças” (Const.Port.artº23, 1), fica publicamente apresentada a reclamação.
    Com o objetivo consonante com a mensagem do Presidente no site do Município, para que Ponta Delgada seja um concelho “com melhor qualidade de vida e com maior justiça social.”


*Jornalista c.p.239
http://escritemdia.blogspot.com

José Gabriel Ávila*

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