Em setembro
foi em setembro
quando as hortênsias já perdiam a cor
azul e rosa
para ficarem no castanho da terra
que os teus olhos se abriram
para a noite onde a lua luzia
a mãe que te teve nos braços
e te expulsou do seu útero
predestinou-te ao augúrio
que serias poeta e sofredora
e caminharias sobre o asfalto
comido pelo sol dos teus poemas
na verdade das tuas palavras
porque trariam a paixão dos dias
que havias de atravessar entre as estrelas e as nuvens
e bordarias com agulhas de oiro
os teus lençóis
o verde das araucárias e o rosado das beladonas
para levares no teu dote quando subisses ao altar
- se um dia por alguém te encantasse -
e enfeitasses o leito e cobrisses o amante
com a carícia das mãos do vento
mas foi ao contrário do teu sonho
e essa cama afinal não foi de penas de ganso e de sumaúma
mas de folhas secas e musgo húmido e muitos cardos
que roçaram o teu peito fremente onde alojavas os teus versos
tinhas a beleza das sereias
que ainda existem no mar
mas escolheste ser apenas MULHER
recusando a cauda iridiscente
dessas ninfas a entoar cânticos sobre as ondas
para enfeitiçar a imaginação dos homens
e estes pudessem sonhar
sofreste da solidão que a noite envolve no seu abraço
e quando o candeeiro se apagava
surgiam no escuro fantasmas para te fazerem companhia
num diálogo mudo onde eram retidas as tuas lágrimas
e para adormeceres invocavas a figura da tua mãe
e a ilha que tanto amaste
mas afinal
nunca te deixaste pertencer nem permitiste amarras
e os teus pulsos nunca ficaram atados
porque nasceram livres
- e a tua voz sempre gritou por amor e liberdade
Victor de Lima Meireles *