Diário dos Açores

Em celebração dos 99 anos de Natália Correira

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Em setembro

foi em setembro
quando as hortênsias já perdiam a cor
azul e rosa
para ficarem no castanho da terra

que os teus olhos se abriram
para a noite onde a lua luzia

a mãe que te teve nos braços
e te expulsou do seu útero
predestinou-te ao augúrio
que serias poeta e sofredora

e caminharias sobre o asfalto
comido pelo sol dos teus poemas
na verdade das tuas palavras

porque trariam  a paixão dos dias
que havias de atravessar  entre as estrelas e as nuvens

e bordarias com agulhas de oiro
os teus lençóis
o verde das araucárias e o rosado das beladonas

para levares no teu dote quando subisses ao altar
 - se um dia por alguém te encantasse -
e enfeitasses o leito e cobrisses o amante
com a carícia das mãos do vento  

mas  foi ao contrário do teu sonho
e essa cama   afinal  não foi de penas de ganso e de sumaúma
mas de folhas secas e musgo húmido e muitos cardos
que roçaram o teu peito  fremente onde alojavas os teus versos

tinhas a beleza das sereias
que ainda existem no mar

mas escolheste ser apenas MULHER
recusando a cauda iridiscente
dessas ninfas a entoar cânticos sobre as ondas
para enfeitiçar a imaginação dos homens
e estes pudessem sonhar

sofreste da solidão que  a noite envolve no seu abraço
e quando o candeeiro se apagava
surgiam no escuro fantasmas para te fazerem companhia
num diálogo mudo onde eram retidas as tuas lágrimas

e para adormeceres invocavas a figura da tua mãe
e a ilha que tanto amaste

mas afinal
nunca te deixaste pertencer nem permitiste amarras
e os teus pulsos nunca ficaram atados
porque nasceram livres

- e a tua voz sempre gritou por amor e liberdade

Victor de Lima Meireles *

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